A saúde mental já não é um assunto periférico. Em Portugal e na União Europeia, é hoje um eixo estruturante do compliance laboral, da boa governança e de uma estratégia segura de gestão de pessoas.
O Código do Trabalho e a Lei n.º 102/2009 (regime da promoção da Segurança e Saúde no Trabalho), impõem ao empregador um dever robusto de prevenir riscos profissionais, incluindo os psicossociais — stress, burnout, assédio ou violência. O teletrabalho ganhou regras próprias com a Lei n.º 83/2021, que consagrou o dever de abstenção de contacto fora do horário (“direito a desligar”), e a Agenda do Trabalho Digno (Lei n.º 13/2023) reforçou a transparência das condições, a previsibilidade da organização do tempo e a conciliação entre vida profissional e pessoal. No plano europeu, a Diretiva-Quadro 89/391/CEE, a Diretiva 2003/88/CE (tempo de trabalho) e as Diretivas (UE) 2019/1152 e 2019/1158 consolidam um modelo de trabalho sustentável, com regras claras sobre descansos, limites, parentalidade e condições previsíveis.
Este enquadramento legal tem uma repercussão direta no quotidiano das empresas.
Em primeiro lugar, a prevenção é obrigatória: a avaliação de riscos deve integrar os fatores psicossociais, com medidas de controlo, formação e acompanhamento.
Em segundo, a proteção da dignidade no trabalho é exigente: o artigo 29.º do Código do Trabalho tipifica o assédio moral e sexual como contraordenação muito grave e garante o direito a indemnização, impondo políticas internas, canais de denúncia eficazes e investigações céleres e imparciais.
Em terceiro, a gestão do tempo é parte da saúde: o respeito por descansos mínimos e limites médios semanais, planear escalas previsíveis e manter registos fiáveis de tempos são essenciais para reduzir fadiga e stress. No teletrabalho, além das regras sobre meios e despesas, a abstenção de contacto fora de horas exige políticas de desconexão com janelas de contacto definidas, exceções bem delimitadas e mecanismos de monitorização.
Do lado da gestão, a evidência é clara: prevenir custa menos do que litigar. Empresas que organizam o trabalho com cargas realistas, promovem uma autonomia responsável, formam lideranças para a gestão de conflitos e cultivam segurança psicológica, reduzem absentismo e rotatividade, elevam a produtividade e melhoram a atração de talento. Na UE, os problemas de saúde mental afetam milhões de pessoas e representam custos anuais superiores a 4% do PIB; 1 em cada 4 trabalhadores reporta stress, depressão ou ansiedade relacionados com o trabalho no último ano — com efeitos diretos em absentismo, presenteísmo e rotatividade (dados do EU-OSHA).
O papel do Legal é ligar a norma à prática e ao dia a dia das empresas: traduzir diretivas e leis em políticas claras que tratem a desconexão, o teletrabalho, o antiassédio e a organização de tempos de trabalho, assegurar a conformidade dos contratos e regulamentos internos, definir fluxos de investigação e medidas corretivas proporcionais e, sobretudo, documentar. É essencial que as organizações detenham avaliações de risco atualizadas, registos de tempo fidedignos, formação evidenciada, canais de denúncia funcionais, decisões fundamentadas e uma comunicação consistente. Em inspeções da ACT, auditorias internas ou contencioso, a qualidade desta documentação é muitas vezes a diferença entre a mera conformidade formal e a demonstração de uma governação responsável.
Para quem lidera Recursos Humanos, o roteiro é pragmático: começar por um diagnóstico 360º aos riscos psicossociais e às práticas reais; aprovar e comunicar uma política de desconexão com regras simples e exequíveis; consolidar um programa antiassédio com proteção contra retaliação e prazos de investigação; organizar o tempo de trabalho com escalas previsíveis, pausas e descansos cumpridos; capacitar chefias intermédias em gestão de carga, mediação e comunicação; e medir para melhorar, com indicadores de bem-estar (absentismo, rotatividade, incidentes, perceção de carga) integrados nos objetivos de gestão. Tudo isto em alinhamento com o quadro legal e europeu, garantindo consistência e previsibilidade.
Nas empresas do futuro, a consolidação do direito a desligar é um dos sinais claros da próxima vaga regulatória e de enforcement. Verifica-se uma fiscalização crescente (ACT) e maior escrutínio público, levando muitas organizações a instituir quiet hours e no-meeting days. O teletrabalho deixa de ser cláusula genérica para assumir acordos remote-first com salvaguardas de SST, ergonomia, ciber-riscos e privacidade. A conciliação e o caregiving ganham densidade com o quadro europeu (Diretiva 2019/1158), impulsionando modelos mais flexíveis e inclusivos.
Mantém-se, assim, a pressão regulatória europeia para iniciativas específicas sobre riscos psicossociais e direito à desconexão no ciclo político 2024-2027. Em paralelo, do lado das normas voluntárias, a ISO 45003:2021 afirma-se como selo de maturidade em concursos, parcerias e due diligence ESG, convertendo prevenção psicossocial em processo auditável.
Em síntese, a saúde mental é simultaneamente dever legal e alavanca estratégica. As organizações que integram prevenção, liderança consciente e desenho inteligente do trabalho constroem equipas resilientes, reduzem risco regulatório e judicial e ganham vantagem competitiva num mercado em que o talento escolhe onde quer estar.
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Ana Rocha Alves
Partner – Head of Employment, Litigation & Public Law Team @ NOVA Legal